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Economia de comunhao: uma nova cultura




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ECONOMIA DE COMUNHAO: UMA NOVA CULTURA


A Economia de Comunhao surgiu dentro de um contexto de solidariedade pautado em valores cristaos: o Movimento dos Focolares, que agrega pessoas de diversos países e religiões diferentes assumindo o compromisso transformador com a unidade e a paz no mundo.

Partilha é uma das palavras de ordem do movimento e a Economia de Comunhao utiliza-se de sujeitos produtivos, isto é, pessoas que se abrem ao outro buscando sua dignidade. Entre as diversas conseqüências desta prática destaca-se a valorizaçao da qualidade da pessoa, o resgate da pessoa humana e restauraçao da sociedade.

Assim como o movimento dos Focolares nasceu e se fortificou em meio às dificuldades da fome devido à guerra (2S Guerra Mundial), da mesma forma a Economia de Comunhao também adquire força em meio às dificuldades econômicas atuais. Com ousadia e a coragem de seus adeptos lança sementes que cedo ou tarde hao de florescer.


- Da ousadia à realidade

O movimento dos Focolares surgiu na Igreja Católica, no ano de 1943 na Itália, em tempos de guerra, com o intuito de criar unidade entre os povos. Desde suas origens estabeleceram-se várias práticas de vida, entre elas destacam-se a vivência do Evangelho de Jesus e a comunhao de bens. O Movimento segue o exemplo dos primeiros cristaos: " Nao havia entre eles necessitado algum distribuía-se entao, a cada um, segundo a sua necessidade"(BIBLIA DE JERUSALÉM. At. Cap. 4, vers. 32-34).

Em pouco tempo a idéia começou a se expandir e a chamar a atençao das pessoas que se deparavam com atitudes consideradas "estranhas", em época difícil e conturbada pela guerra. Assim, com entusiasmo e a generosidade dos adeptos do novo movimento, a idéia de comunhao foi consolidando-se e criando laços solidários. O movimento hoje abrange mais de 190 países espalhados pelo mundo e seus membros têm a pretensao de serem sinais de esperança, conforme recomenda o Evangelho de Jesus.

A fundadora e atual presidente Chiara Lubich2, nascida em 1920 em Trento (Itália), já recebeu vários prêmios, reconhecimentos e doutorados honoris causa, em importantes instituições, inclusive brasileiras. Entre estes títulos, destaca-se: Doutorado honoris causa em Economia pela Universidade Católica de Pernambuco; Doutorado honoris causa em Humanidades e Ciências da Religiao pela Pontifícia Universidade Católica de Sao Paulo e ainda a Condecoraçao na Ordem do Cruzeiro do Sul, conferida pelo ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso.

Tais méritos se devem a um trabalho mundial embasado em valores que beneficiam o homem.

O movimento perpassa o campo espiritual do cristianismo católico, a uma movimentaçao alicerçada na idéia de unidade que, consequentemente, abrange Igrejas de confissões cristas diversas, além de atingir as grandes religiões como o Islamismo, Judaísmo e até o Budismo. Atinge também, vários seguimentos sociais como a arte, a política, a educaçao e a economia. Sao representativas as obras sociais despertadas em várias localidades do mundo, de assistência e doaçao de vidas para uma sociedade mais digna, mais unida3.

Os adeptos do movimento sao pessoas com as mais diferenças possíveis, como idades, crenças, confissões religiosas, classes sociais, tendo um ponto único em comum a paz e a unidade.

Uma grande novidade que os "Focolares", assim denominados os seguidores dos ideais de Chiara Lubich, têm a oferecer ao mundo é sem dúvida o projeto Economia de Comunhao (EdC) na liberdade, uma viva e forte expressao concreta da partilha de bens que perpassa o plano pessoal para o nível empresarial.

Desde o início os seus membros costumam dizer que a consolidaçao do movimento se deu por "obra de Deus" em prol da unidade e da fraternidade universal. Os Focolares se caracterizam como um vasto movimento histórico por meio de valores partilhados em coletividade. As linhas de espiritualidade conduzem o homem ao amor evangélico que os leva a exercitar a vida de comunhao, abrindo-se ao mundo e ao outro.4


1. 2 - Brasil: laboratório de uma nova experiência


Emanuel Lévinas afirma que:


[] O fato de que outrem nao está simplesmente próximo de mim no espaço, o próximo como um parente, mas que se aproxima essencialmente de mim enquanto me sinto - enquanto sou - responsável por ele "(LÉVINAS, 1982, p. 82).


Com esta afirmaçao percebe-se que a responsabilidade pelo outro constitui um dever. Esta mesma responsabilidade é o que move a EdC em sua missao.

Em 1991, por ocasiao de uma visita de Chiara Lubich ao Brasil, ao percorrer a grande Sao Paulo, ela, sente esta mesma responsabilidade ao perceber os imensos e luxuosos edifícios da cidade cercados por gigantescas favelas. Chiara Lubich propõe, sem reservas, sua ousada idéia:


[] Deverao surgir empresas cujos lucros sejam divididos em três partes iguais: uma destinada ao próprio investimento da empresa; outra à partilha com os pobres, a fim de atender às suas necessidades básicas e por fim uma parte reservada à difusao desta nova cultura, para a criaçao do "homem novo". (CHIARA LUBICH in FERRUCCI, 1998, p.34).


Surgiu no município de Cotia (SP) um Pólo Industrial, contendo inicialmente três empresas que tentavam concretizar o projeto. Doze anos depois já sao aproximadamente 760 empresas de médio e pequeno porte, consolidadas no mundo todo, levando a cabo os ideais de Chiara Lubich.

O Brasil, portanto, pode ser considerado o "laboratório" de uma nova experiência, pois, foi graças à disponibilidade e entusiasmo de vários brasileiros que imediatamente se lançaram traçando alternativas e se empenhando na proposta que, iniciou-se a construçao de um Polo Industrial que recebeu o nome de Spartaco, um falecido membro do movimento dos Focolares, no município de Cotia. Logo outros empresários do país começaram a investir na idéia, revelando assim a generosidade deste povo e também pelo drama social em que vivem.


[] O Brasil é como um esboço das contradições que marcam a época contemporanea. É um espaço onde se pode ver e constatar de modo intenso a linha divisória entre Norte e Sul, entre desenvolvimento e subdesenvolvimento, entre esbanjamento e pobreza, entre abundancia e miséria'' (CHIARA LUBICH in COSTA, 1998, p.17).


As três primeiras indústrias a serem erigidas nestes moldes foram as seguintes:

La Túnica - confecções de roupas masculinas e femininas;

Rotogine - indústria de caixas d'água, fossas cépticas, caixas de gordura, filtros e tubulações para esgoto, de tecnologia francesa e;

Eco-ar - produtos de limpeza biodegradáveis.

Nelas, evidenciaram-se as capacidades e disposições de cada um dos membros. As pessoas se dispuseram a colaborar de uma forma muito simples, mesmo aquelas incapacitadas de montar um negócio ofereciam o que tinham como jóias, casas, terrenos e outros bens, com a total generosidade e doaçao, felizes por poderem participar de um momento histórico que dava seus primeiros passos:  


[] o sistema econômico, assim como existe, caminha para uma explosao. Mas, se formos inteligentes, podemos implodir toda essa construçao, injetando-lhe um líquido novo para renová-la radicalmente a partir de dentro" (COSTA, 1998, p.11).



- A Economia de Comunhao no mundo


Ao contrário da economia consumista, baseada na cultura do ter, a Economia de Comunhao é a economia do dar. Isto pode parecer difícil árduo, heróico. Mas nao é assim, porque o homem, feito à imagem de Deus, que é amor, encontra a própria realizaçao justamente no amor, na doaçao. Esta exigência está no mais profundo do seu ser, tenha fé em Deus ou nao. É justamente nesta constataçao, comprovada pela nossa experiência, que está a esperança de uma difusao universal da Economia de Comunhao ( COSTA, 1998, p. 7).



Com uma abrangência que ultrapassa cerca de 40 países, com 760 empresas presentes principalmente no Brasil, Itália e Alemanha, a EdC é motivada por ideais, atividades, exigências e aspirações do homem. Suas principais características sao:

Os relacionamentos de respeito e lealdade, que constituem um clima de solidariedade, que ocorre nao só de forma interna, isto é, entre funcionários e patrões, mas que também se estende aos clientes, aos fornecedores, à administraçao pública e até mesmo aos concorrentes;

Valorizaçao dos funcionários, integrando-os de certa forma na vida e no processo da empresa, de modo que nao se sintam apenas executores de tarefas e assalariados, mas protagonistas do movimento interno;

Cumprimento dos aspectos legais, mantendo a linha da empresa;

Dar atençao e até conscientizar os funcionários, bem como a comunidade, sobre a questao do respeito ao meio ambiente, até mesmo com investimentos altos;

Cooperaçao com outras realidades empresariais presentes, com olhar solidário (COSTA, 1998, p.12-15).


O sistema da EdC, nao se enquadra nem no capitalismo nem no socialismo pois ambos se fundam no materialismo, o primeiro no ambito individual e o segundo no ambito coletivo, enquanto que o modelo está alicerçado em princípios de comunhao. A adesao ao projeto repercute no mundo por meio de gestos generosos de pessoas que doam seus próprios bens ou, até mesmo, de outras que encontram mil alternativas para se doarem, como por exemplo através do conhecimento, partilhando talentos acumulados com o passar do tempo:

O resultado foi uma "Doutrina Social Crista" que anuncia a esperança em um ritmo acelerado. Trata-se de passar da fase de estudo e de declarações teóricas a uma fase de aplicaçao mais intensa e contínua do que se deu até agora. Nao podemos negar que já tivemos pelo menos um século de legislações de política social, onde os movimentos cristaos sociais, especialmente na Europa Ocidental, fizeram sentir a sua grande contribuiçao dentro do espírito de solidariedade que trazem consigo (COSTA, 1998, p. 63).


A questao também perpassa o mundo da política e cresce cada vez mais o interesse deste segmento a ponto de aumentarem os encontros de estudo e visitas, principalmente ao Pólo Industrial Spartaco no Brasil.

O modelo apresentado pela EdC nao é nada fácil de ser aplicado, pois os custos sao muitos, há dificuldades na geraçao de lucros, mesmo assim, o número de empresas continua crescendo, e, além do mais, existe interesse em vários ambientes da sociedade pelo projeto.

Sao vários os fatores históricos que trouxeram à humanidade a idéia de propriedade privada, o que causou certa influência também no ambiente cristao. A ótica da EdC apresenta de modo realista uma maneira de conciliar a propriedade privada com a destinaçao universal de bens, defendida por grandes teólogos da Idade Média. É um modo de tornar a propriedade privada aberta ao outro, sem torná-la nula e preservando a sua liberdade.

Sobre a propriedade, Jean-Jacques Rousseau argumenta em sua obra: "Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens" que a primeira preocupaçao do homem é a sua conservaçao (sobrevivência) e este, com o passar do tempo, descobriu que a terra lhe fornecia o necessário para o seu sustento, como também descobriu e aperfeiçoou técnicas de domínio da natureza e, assim, o progresso lhe permitiu conquistar o aperfeiçoamento de sua indústria.

O homem enquanto ser primitivo em seu estado natural vivia em igualdade, mas esta igualdade começou a desaparecer a partir do momento em que se estabeleceu a família, pois apenas um deveria buscar as provisões para os demais (filhos, esposa) e, assim, aos poucos foram se consolidando as funções específicas, exigindo mudanças no comportamento.


Enquanto só se dedicaram a obras que um único homem podia criar, e as artes que nao solicitavam o concurso de várias maos, viveram tao livres, sadios, bons e felizes quanto o poderiam ser por sua natureza, e continuaram a gozar entre si das doçuras de um comércio independente; mas, desde o instante em que um homem sentiu necessidade do socorro de outro, desde que se percebeu ser útil a um só contar com provisões para dois, desapareceu a igualdade, introduziu-se a propriedade, o trabalho tornou-se necessário e as vastas florestas transformaram-se em campos aprazíveis que se impôs regar com o suor dos homens e nos quais logo se viu a escravidao e a miséria germinarem e crescerem com as colheitas (ROUSSEAU, 1988, p. 68-69).


A civilizaçao trouxe revoluções e, conseqüentemente, a perda do valor e dignidade do gênero humano.

John Locke afirma que Deus deu tudo o que existe na terra para o homem, a fim de que ele possa usufrui-la de uma maneira que faça progredir a vida. Do mundo o homem pode se apropriar de tudo, menos de uma outra pessoa:


Embora a terra e todas as criaturas inferiores sejam comuns a todos os homens, cada homem tem uma propriedade em sua própria pessoa; a esta ninguém tem qualquer direito senao ele mesmo. O trabalho de seu corpo e a obra de suas maos, pode dizer-se, sao propriamente dele. Seja o que for que ele retire do estado que a natureza lhe forneceu e no qual o deixou, fica-lhe misturado ao próprio trabalho, juntando-se-lhe algo que lhe pertence, e, por isso mesmo, tornando-o propriedade dele(LOCKE, 1973, p. 51).


Entende-se assim que, quando alguma pessoa se apropria de um espaço e produz nele, este deixa de ser comum; no entanto, se for extensa esta propriedade, dá-se o direito de outra pessoa usufruir dela.

É através do trabalho que o homem toma posse das coisas em comum e começa a produzir. Este é o método mais primitivo na qual utilizado até nos dias de hoje. Locke a esse respeito diz que:


O trabalho, no começo proporcionou o direito à propriedade sempre que qualquer pessoa achou conveniente empregá-lo sobre o que era comum, que constituiu durante muito tempo a maior parte e ainda é hoje mais do que os homens podem utilizar" (LOCKE, 1973, p. 58).


O homem, segundo Locke, tem sobre a terra um direito de se apropriar de algo e deve se utilizar de tal conveniência para exercer a posse com uma certa justiça: "Iam juntos o direito e a conveniência. Como o homem tinha direito a tudo em que fosse capaz de empregar o próprio trabalho, nao sentia a tentaçao de trabalhar para obter mais do que pudesse utilizar"( LOCKE, 1973, p. 45).

A EdC, nascida no final do século XX, apresenta-se como uma forma moderna de economia que supera as dificuldades com distribuiçao de lucros, mesmo mantendo o sistema capitalista, ou melhor, inserindo-se neste contexto, embora se contraponha a esta postura justamente por seu caráter de comunhao. Assume uma nova postura em relaçao à destinaçao final dos lucros, estes nao sao mais, segundo a ótica da EdC, para o acúmulo caracterizado pela "Mais Valia", seu objetivo está na dignidade do homem, para que este e sua família tenham as condições básicas para poder comer, ter vida saudável, um teto seguro onde morar e condições para que os filhos possam estudar. Nao confronta outras culturas, mas as respeita salvaguardando e evidenciando as exigências ontológicas, isto é, o valor da pessoa.

Euclides André Mance5, em sua obra: "A Revoluçao das Redes", faz uma crítica à estrutura da EdC, alegando que no sentido de colaboraçao aos excluídos o projeto nao é o mais viável. Justifica tal afirmaçao dizendo que as empresas que aderiram ao projeto limitam-se ao ambiente de participantes do movimento dos focolares, por isso há pouca expansao econômica do modelo; o número de novos empregos gerado foram poucos, havendo um número mais significativo apenas nas empresas novas que surgiram; a repartiçao do lucro, por se tratar de liberdade, nao é aplicado radicalmente segundo o ideal de Chiara Lubich; a conversao ao projeto EdC só poderá ser realizada pelo capitalista, o que torna os trabalhadores dependentes deste capitalista.

Como a EdC ainda está em seu início nao sao muitas as obras em favor dos necessitados, mesmo assim, o que já foi realizado, nao deixa de ser significativo, especialmente para aqueles que recebem os bens.


- Diálogo com Amartya Sen


A fim de uma melhor compreensao da situaçao econômica mundial, na procura de uma ética que contemple as necessidades de todos, recorre-se às considerações de Amartya Sen . Segundo Sen, a economia e a ética distanciaram-se gravemente e isso gerou uma das principais deficiências da teoria econômica da contemporaneidade. A ética influencia o comportamento humano e este hiato (distanciamento) introduzido desagrega a realidade e o potencial humano.

A economia pode tornar-se mais produtiva se evidenciar em maior atençao as considerações éticas que moldam o comportamento e o juízo humano.

A economia do bem-estar, entendida na atualidade como forma de utilizaçao dos recursos em vista do acúmulo de bens e capital, pode ser enriquecida se, der mais atençao à ética. O auto-interesse maximizado é o que melhor reflete o comportamento real:


Talvez se pudesse admitir no economista, como pessoa, uma módica dose de cordialidade, contanto que em seus modelos econômicos ele mantivesse as motivações dos seres humanos puras, simples e práticas, nao estorvadas por coisas como a boa vontade ou os sentimentos morais (SEN, 1999, p. 17).


Desde Sócrates há uma questao ética que procura pensar no como se deve viver, sendo assim, nesta análise de dissociaçao das realidades de economia e ética, Sen questiona a indiferença das pessoas reais em relaçao ao que ocorre na economia moderna. Ao referir-se a Sócrates, Sen observa que seus conceitos de ética e política, entendidos como meios voltados às questões humanas, aliados às demais ciências como a economia, devem também contemplar esta mesma finalidade. Dessa forma, urge salientar que o estudo da economia, da ética e da filosofia política nao poderá ser dissociado.

Existem duas questões observadas por Sen que sao básicas para a economia: a motivaçao humana e a realizaçao social, o que significa defender os próprios interesses sem perder de vista o conjunto, isto é, a realidade em que se encontra inserido o indivíduo.

Ao referir-se sobre a origem da economia, Sen recorre a Aristóteles que aborda a questao ética como condiçao para se buscar o bem para o homem, isto é, os fins humanos. Há uma segunda que aborda a questao de engenharia que se ocupa de questões primordialmente logísticas, isto é, trata das estruturas técnicas de organizaçao do material (conforme as idéias de Adam Smith). A primeira situaçao refere-se à forma de viver, enquanto que a segunda se preocupa com a realizaçao social que se conecta à política do Estado.

Sen salienta que a primeira concepçao de origem precisa encontrar "lugar e importancia" na economia atual, pois a abordagem ética acabou por diminuir com o tempo diante da abordagem de engenharia, devido a evoluçao da economia moderna que acabou sendo desmerecida em sua natureza: "Eu diria que a natureza da economia moderna foi substancialmente empobrecida pelo distanciamento crescente entre economia e ética" (SEN, 1999, p. 23).

Embora reconheça nao ser apenas este o único fator das dificuldades econômicas é importante salientar que a abordagem de engenharia da economia também trouxe benefícios, como esclarecimentos e compreensao. A crítica está no descaso da abordagem ética com suas conseqüências como o problema da fome individual e coletiva no mundo moderno.

Sen concentra-se na questao de que a economia tende a perder o seu sentido, pelo fato de nao considerar as idéias de ética da motivaçao e realizaçao social, sem deixar de reconhecer no aspecto de engenharia, contribuições úteis para a ética moderna. Porém, é prejudicial para a ética, a distancia ocasionada entre ética e economia. Dessa forma, faz-se necessário o retorno de uma linha orientadora para a economia para assim torná-la mais rentável na perspectiva produtiva: "Mas gostaria de mostrar que a economia, como ela emergiu, pode tornar-se mais produtiva se der uma atençao maior e mais explícita às considerações éticas que moldam o comportamento e o juízo humano." (SEN, 1999, p. 25)

O ser humano é diferenciado dos demais seres pelas capacidades, por exemplo, de discernimento e organizaçao. É nestas atitudes que se encontra a razao para a divisao de trabalho, do qual derivam as vantagens e riquezas. Há, com esta constataçao, uma suposiçao de comportamento racional que desempenha um papel fundamental na economia moderna, pois a racionalidade também é vista como determinante ou condicionante do comportamento.

Outra abordagem que se faz da racionalidade é a da maximizaçao do auto-interesse. Esta compreensao se fundamenta conforme as escolhas de uma pessoa condicionada a partir de seu auto-interesse. É absurdo reduzir o que nao pode maximizar a questões irracionais:


Considerar qualquer afastamento da maximizaçao do auto-interesse uma prova de irracionalidade tem de implicar uma rejeiçao do papel da ética na real tomada de decisao ( que nao seja alguma variaçao ou mais um exemplo daquela exótica concepçao moral conhecida como "egoísmo ético (SEN, 1999, p. 31).


A necessidade de uma moral surge do fato de que nao é possível uma convivência social sem existir solidariedade na sociedade, nao existirá grupo se houver egoísmo e defesa do auto-interesse, pois a sobrevivência de um depende do outro.

O bem-estar social depende da defesa dos interesses próprios de um indivíduo, aí está a justificativa para a rejeiçao da ética. Como no capitalismo as leis de mercado sao apresentadas como o caminho ideal para a convivência social e progresso, nao há mais sentido em se falar em ética, principalmente porque o seu objetivo é questionar a dinamica da economia de mercado.

A questao da racionalidade ligada à economia, diz respeito às teorias que expressam os conceitos de avaliaçao a que se referem às formas de desenvolvimento econômico no que concerne a sociedade e as relações humanas. Um critério adotado por Sen para uma avaliaçao correta e minuciosa é o critério da Otimalidade de Pareto que se dá quando há um aumento da utilidade de uma pessoa reduzindo a outra.

O conceito de Otimalidade de Pareto é também conhecido por eficiência econômica. Trata-se de uma espécie de critério de julgamento utilizado por uma determinada configuraçao econômica, que por sua vez, faz uso da utilidade como critério por excelência das ações. Neste sentido, um Ótimo de Pareto é a efetivaçao suprema da eficiência econômica, ou seja, aumentar a utilidade de uma pessoa reduzindo ao máximo a utilidade de outra. Isso significa que o máximo de otimalidade ou eficiência é uma distancia abismal entre um rico e um pobre. Enquanto alguém ainda puder aumentar sua utilidade, este alguém ainda pode reduzir a utilidade de outra pessoa, em outras palavras, ainda pode 'detonar' outro.

Ninguém pode alterar sua situaçao, buscando uma posiçao que mais lhe agrade, sem com isso provocar a mudança de outra pessoa para uma posiçao que nao lhe agrada.

Uma otimalidade social para ser validamente vantajosa deve contemplar os interesses de todos os envolvidos no processo e nao se restringir a um particular.

Sobre o "Teorema Fundamental da Economia do Bem-Estar, Sen deixa claro que é uma proposiçao importante que relaciona um certo equilíbrio entre mercado em concorrência com a Otimalidade de Pareto. A Otimalidade de Pareto possui uma importante posiçao no utilitarismo na economia do bem-estar tradicional.

Sen discorre sobre certos conflitos e impasses que constituem dilemas a ponto de ser dificilmente imaginável a frieza e indiferença humana total diante de pedidos de ajuda. Tal atitude se faz importante para questões culturais e sociais que também podem influenciar o comportamento humano no sentido da economia. Ao reconhecer a natureza destes dilemas, pode-se também reconhecer e entender melhor os fenômenos econômicos e favorecer a previsao econômica.

Sen, ao analisar um conjunto de direitos, defende alguém que viole regras para defender e salvar situações de conflito, ou seja, alguém que se arrisque fique sujeito a penalidades por desobediência em prol de um bem a outrem, ao qual nao se é obrigado a ajudar.

Afirma com êxito que uma aproximaçao maior entre ética e economia é sumamente benéfica para ambas as partes.

O objetivo de Sen, ao sugerir a aproximaçao entre economia e ética, é tentar demonstrar as recompensas que se ocasionam com tal aproximaçao:


Procurei mostrar que a economia do bem-estar pode ser substancialmente enriquecida atentando-se mais para a ética, e que o estudo da ética também pode beneficiar-se de um contato mais estreito com a economia. Também demonstrei que pode ser vantajoso até mesmo para a economia do bem-estar na determinaçao do comportamento. [] Mas o argumento em favor de aproximar mais a economia da ética nao depende da facilidade em consegui-lo. Fundamenta-se, antes, nas recompensas advindas do exercício (SEN, 1999, p. 105 - 106).



1.5 - A serviço do homem


O que a EdC apresenta para um resgate da alteridade e da dignidade do homem?

Desde o seu início, a EdC se configurou nao só como um agir econômico solidário mas também procurou incitar na mentalidade da sociedade a sua preocupaçao primordial, isto é, os valores humanos voltados para a dignidade.

Nota-se no mundo todo uma preocupaçao que vai surgindo aos poucos, talvez com interesses ocultos por trás das ideologias, mas que sao significativos por apresentarem a questao do desenvolvimento voltado para o bem estar social. Segundo a socióloga pernambucana e teórica da EdC, Vera Araújo, os vários encontros mundiais voltados para a questao do desenvolvimento social como "Ambiente e Desenvolvimento" (Rio de Janeiro 1992); "Populações e desenvolvimento" (Cairo 1994), entre outros, têm destacado três principais aspectos a saber:


a)que o desenvolvimento nao concerne apenas à economia mas a economia é funçao do desenvolvimento; b) que o desafio contemporaneo é a criaçao de um modelo de desenvolvimento centrado no ser humano; c) que é necessário construir uma cultura de cooperaçao e parceria (COSTA, 1998, p. 09).



Dessa forma há uma preocupaçao mundial com a questao do desenvolvimento e com alternativas que invistam na sociedade. A Economia de Comunhao requer, antes de tudo, uma reflexao antropológica, pelo motivo de seu aspecto principal estar centrado no homem, como protagonista da produçao, do trabalho e da história. Ela nao pode, portanto, estar desmembrada, isolada para atender uma necessidade específica, mas se debruça na reflexao voltada para o todo:


Nao existe, contudo, a intençao de construir como que uma sociedade paralela, fechada em si e desvinculada do contexto social. Ao contrário, o seu horizonte é exatamente toda a humanidade: a imagem dos círculos concêntricos sempre mais amplos, como já foi várias vezes citada pela própria Chiara Lubich para dar a idéia da árdua aspiraçao de universalidade deste projeto (COSTA, 1998, p. 56 - 57).


A cultura da partilha que acompanha o projeto da EdC torna o homem um ser aberto à comunhao, aos diversos relacionamentos que o fazem mais humano, com um olhar voltado para a sociedade e para o bem comum. A circulaçao de bens é encarada como crescimento, nao só de quem é beneficiado, como também do próprio doador. Vera Araújo define as relações do 'homem novo":


Parece-me evidente que a base da economia de comunhao contenha uma reviravolta antropológica: pessoas imbuídas de nova mentalidade, engajadas na construçao de um mundo mais unido e solidário e que praticam a "cultura do dom de si", "do dar" em antítese à cultura do ter. A "cultura do dar" qualifica o homem como ser aberto à comunhao, à relaçao com o Absoluto - com Deus, com os outros, com o criado. Individualidade e sociabilidade encontram-se no dom de si, do próprio ser e na circulaçao dos bens materiais necessários ao desenvolvimento e crescimento de todos (COSTA, 1998, p. 19).


A atitude de dar na EdC nao é entendida como meio de sublinhar a aparência ou como forma egoísta de satisfaçao pessoal ou para tirar proveito próprio com outras intenções, mas sim um dar que propicia abertura ao outro, que respeita sua dignidade, como expressao do ser mais profundo do homem.

No pensar de Tommaso Sorgi7 a atitude de dividir os lucros possui uma dimensao ainda maior que prestar benefícios:


Nao se trata apenas de dar, mas também de dar a si mesmo. Além de ser uma comunhao de bens, constatamos claramente uma comunhao também de pessoas. O resultado é o surgimento de novas situações sociais, com novos tipos de relacionamentos, novos modelos socioculturais, frutos - e ao mesmo tempo propagadores e estímulo - de uma nova mentalidade, de uma nova cultura, denominada por Chiara Lubich "cultura do dar" (COSTA, 1998, p. 32).


O ser humano encontra a sua valorizaçao no ambiente da empresa que aderiu à proposta da EdC. Este posicionamento da empresa rompe com a tradicional forma de ser unidade auto-suficiente para voltar-se à sobrevivência, aos valores e à dinamica da expansao.

Com a Revoluçao Industrial, no decorrer dos anos, foi-se consolidando a idéia de que a produçao é que constitui a empresa por excelência; através do trabalho, o homem concretiza o seu sustento material e da família e ainda uma posiçao social. Alguns empresários seguidores do modelo da EdC tentam aglutinar para a unidade empresarial as realidades econômicas, humanas e sociais. Respectivamente, relacionadas aos fatores de produçao (estruturas, capital), interaçao com o meio social e ambiental, e crescimento pelas relações de trabalho. O aspecto humano é considerado primordial como base para um crescimento nao só de ordem quantitativa mas também qualitativa: " O homem é o único ser dotado da capacidade de pensar e amar" ( COSTA, 1998, p. 78).

Rui Costa, discorre sobre o trabalho como a capacidade do homem, em poder desenvolver o seu potencial conferido pela natureza. Essa capacidade encontra espaço relevante no processo criativo:


Através do pensamento, ele (homem) é capaz de criar uma infinidade de apetrechos, utensílios, máquinas e tecnologia. Concretizações materiais do pensamento abstrato, testemunhos da capacidade criativa do homem, constróem o meio ambiente humano. É próprio do ser humano inventar seu habitat; este nunca se restringe ao ambiente natural: criatura incompleta, o homem se inventa transformando a natureza. A partir dessa perspectiva nao é difícil perceber o caráter mais profundo do trabalho, instrumento decisivo de construçao e de descoberta da pessoa (COSTA, 1998, p. 112).


O homem, na visao desta cultura de partilha, participa de uma doaçao feita de reciprocidade, Esta doaçao possui um estilo que lhe é próprio e suas principais características sao a gratuidade e a alegria de poder estar contribuindo para a concretizaçao de uma sociedade mais fraterna e fortalecida por laços harmoniosos:


Para que a economia de comunhao realmente produza seus frutos é preciso crer verdadeiramente no poder da unidade de intenções, que nasce quando tornamos nosso o interesse do cliente, ou seja, o interesse do outro, e assim como o da pátria ou da empresa do outro, abandonando a cultura da competiçao" (COSTA, 1998, p. 82).


A doaçao nao se refere apenas a bens materiais, mas sim, em primeiro lugar aos dons e valores de cada indivíduo, como afetos, cordialidade, alegria, conhecimento a ser comunicado, tempo e disposiçao, como forma de ajuda e crescimento mútuos que desemboca no material.

Segundo a idealizadora da EdC, Chiara Lubich, a experiência de uma economia baseada na partilha pode parecer nao só estranha, como difícil ou até mesmo um ato heróico, no entanto, ela identifica este gesto como característica do homem, desejo que está dentro de cada um e que precisa ser suscitado, quer o homem tenha fé ou nao.

Uma empresa que assim age torna-se um bem social, encontra inovaçao justamente em seus objetivos primários, como a estima, a abertura às relações de comércio e tudo aquilo que lhe é próprio como profissionalismo. Essa empresa encontra razao de ser, uma motivaçao diferente, divina e, ao mesmo tempo, encarnada em valores humanísticos:


Uma empresa dessas obterá resultados surpreendentes, como é surpreendente o raio laser. Num cristal, quando excitado eletricamente, os elétrons movem-se de maneira desordenada, emitindo, com seu movimento, uma modesta luz em todas as direções. No entanto, se estes elétrons forem orientados todos na mesma maneira, como ocorre no laser, eles somarao suas energias e formarao um único raio capaz de cortar até o aço. Analogamente, a mesma determinaçao de um grupo de pessoas acrescenta à normal criatividade do responsável da empresa a criatividade diversificada e valiosa dos colaboradores em todos os níveis, transformando os trabalhadores em verdadeiros "artistas" (COSTA, 1998, p. 78 -79).


Participar desta experiência é, para os seus envolvidos, acreditar na concretizaçao do sonho de ver a humanidade mais feliz e realizada em suas várias dimensões.

Os que aderem ao projeto acreditam que uma transformaçao social que tenha consistência e durabilidade é promovida com o respeito pela pessoa, usando-se da partilha, solidariedade e abertura às necessidades do outro:


Colocar o homem no centro da economia requer um tipo de homem capaz de criar estruturas econômicas a serviço do homem, para o homem, para satisfaçao de suas necessidades, para seu crescimento" (COSTA, 1998, p. 20).


A EdC sugere uma inserçao social mais direta com relaçao ao outro e principalmente, mais responsável e conseqüente. O homem se constitui pessoa na medida em que interage com o próximo. A empresa, portanto, deve promover ações concretas que façam com que o homem potencialize, dinamize e libere elementos essenciais, isto é, qualidades para desenvolver-se como pessoa. Assim, quando o homem percebe o estímulo, cria-se cada vez mais uma relaçao dinamica que proporciona sucesso no trabalho e desenvolvimento da pessoa humana, que já nao se sentirá apenas como peça de uma grande engrenagem em funcionamento.

A proposta sugere revisao e transformaçao de valores e comportamentos nas relações humanas e sociais, as quais o indivíduo interioriza, o que o impulsiona na concretizaçao do novo.

As condições de diálogo aberto, a confiança e estima recíproca somada à responsabilidade e ao profissionalismo fazem crescer a consciência de que se encontram aí os motivos verdadeiros para o crescimento e desenvolvimento das empresas ligadas ao projeto. Outro grande fator, que sustenta o projeto, é a motivaçao dos homens, crescerem juntos testemunhando empreendimento que nao obstante o seu modelo "estranho" por assim dizer, para a economia atual, tende a dar certo a ter resultados gratificantes. Cria-se com isso um ambiente familiar, em que há liberdade sem desmerecer os deveres atribuídos a cada qual conforme as funções. O retorno obtido, inclusive econômico, traz alegria e realizaçao a todos os participantes da empresa.

Alberto Ferrucci8, um dos responsáveis mundiais pelo projeto, declarou em uma entrevista que muito mais que fidelidade à burocracia e ao bem estar, está o aspecto antropológico:


Está cada vez mais claro e está se tornando um consenso, pelo menos nos locais onde as empresas da EdC se desenvolveram, que estas empresas sao um bem social. nao só porque elas pagam os impostos, geram emprego e dedicam uma parte importante do lucro à formaçao das pessoas para a fraternidade universal, gerando "homens novos" segundo a lógica do Evangelho; e nem porque uma outra parte do lucro da empresa é destinada, para além das barreiras nacionais, a ajudar aqueles que nao dispõem do necessário para viverem com dignidade e terem esperança de um futuro melhor para os próprios filhos. Mas estas empresas também sao um bem social porque o relacionamento fraterno existente entre patrões e empregados demonstra que, até em meio às mil dificuldades da vida, a comunhao é o verdadeiro segredo da realizaçao pessoal (PARMENSE, 2002, p. 16).


A experiência realizada tem aberto caminhos para o desenvolvimento do mundo econômico na "era da globalizaçao", porém com um jeito novo de encarar a realidade:


Acho que a economia foi a primeira a unificar o mundo. Tornou-o interdependente, porém usando com freqüência excessiva a arma da imposiçao, aguçando uma verdadeira luta pela sobrevivência através de uma concorrência desenfreada, quando nao de conflito (COSTA, 1998, p. 10).


Os relacionamentos abrangem, além dos patrões e funcionários, também os clientes, fornecedores e até os concorrentes, numa cadeia sucessiva de transmissao e cultivo de bens espirituais, através das relações de trabalho. Tais fenômenos tem despertado curiosidade e interesse nao só em ambientes econômicos, como também em outros ambientes: " nao há dúvida de que nao poderia deixar de existir uma condiçao preliminar. Uma economia tao nova e revolucionária - que tenha como centro nao o lucro para o "eu" mas o bem do "outro" (COSTA, 1998, p. 57).

A Igreja Católica em sua Doutrina Social ao referir-se ao trabalho, eleva o homem declarando que este deve estar a serviço do homem e nao o contrário. Dessa forma, na EdC, o trabalho adquire um sentido fundamental na realizaçao humana em uma relaçao interativa, tornando o homem mais digno e satisfeito com seu próprio esforço e realizaçao de um determinado ofício, seja ele qual for. Ninguém se sente superior ou inferior de acordo com o cargo que ocupa, mas todos se sentem participantes de uma mesma causa. Os trabalhadores na EdC, a fim de atingirem seus objetivos, devem antes viver com entusiasmo a solidariedade e ter espírito de comunhao na produçao. Mediante o trabalho, o homem nao se esforça apenas para o mérito próprio, mas também para os outros e com os outros:


O que realiza o homem é, sem dúvida alguma, sua laboriosidade no domínio da matéria, a sua açao, a sua inovaçao da natureza. Mas o que o realiza mesmo é o seu trabalho com e pelos outros seres humanos: é no crescimento das relações que a personalidade enriquece (COSTA, 1998, p. 50).


No cristianismo, o trabalho adquire sentido, se for para a construçao do bem, em agir em prol dos mais necessitados e valorizar as experiências de todos os trabalhadores, seus esforços e suas lutas para que possam vencer e encontrar um sentido para a vida.

O aspecto antropológico é realmente revolucionário no campo econômico, pois os fundamentos da EdC nao contemplam simplesmente a beneficência, filantropia ou assistencialismo, mas sim a realizaçao do homem como dom para os outros.


A alteraçao dessa postura antropológica pode ser mais efetiva a parir de programas de fomento profissional uma vez que este é, entre outros, um espaço capacitado a formar cidadaos comprometidos com as mudanças sociais de sua época (COSTA, 1998, p. 127).


No dia-a-dia da empresa, as pessoas sao vistas como pessoas em dignidade, a funçao é secundária e internamente as relações frias entre patrao e empregado sao superadas sensivelmente pelo clima reinante de harmonia. Isto constitui para a empresa um salto de qualidade, por trilhar caminhos da capacidade humana. Tais relações nao permanecem apenas no ambiente de trabalho, perpassam também os demais locais onde acontece a vida dos homens (família, Igreja, clubes, escolas) que, assim, vivem motivados por um ideal. Os empresários vêm suas vidas transformadas e dessa forma suas atividades tornam-se harmonizadas e nao apenas centradas na funçao de ofício e lucros.

A aproximaçao das relações patrao e funcionários propicia maior calor humano para uma comunicaçao objetiva e clara dos papéis desempenhados na empresa:


As diversas teorias de gerenciamento sao unanimes em reconhecer a importancia de uma relaçao de confiança entre diretores e funcionários, já que esta facilita enormemente o fluxo de comunicaçao das mais variadas ocorrências presentes no dia-a-dia do processo produtivo. Ao se adotar como princípio teórico e prático uma definiçao global da empresa, isto é, a empresa concebida como local de simbiose entre trabalho e meios de produçao, unificam-se os aspectos humanos e produtivos do processo: quando o homem passa a ser o foco das atenções na empresa, há aumento de produtividade (COSTA, 1998, p. 116 - 117).


Uma missao importante da EdC é, sem dúvida, a promoçao e criaçao de profissionais. Ora, se se fala de um novo paradigma, nova cultura, novos comportamentos, é necessário, entao, gente qualificada e profissionalmente disposta a transformar a realidade, por isso sao promovidos estudos, cursos profissionalizantes e especializações. O "homem novo" é sem dúvida um investimento alto para uma sociedade nova. A empresa assume como meta o crescimento da pessoa a partir de atividades que sao desenvolvidas em situações de trabalho.

O outro é uma pessoa que merece a melhor forma de tratamento, independentemente, de ser cliente ou concorrente. Os funcionários nao sao apenas componentes no processo produtivo, mas colaboradores com participaçao ativa até em decisões da empresa, o que faz aumentar ainda mais a disposiçao para o trabalho.

A finalidade da EdC está impressa em seu nome "comunhao'. Comunhao entre os homens e seus bens. Os homens convidados a serem homens novos, sao pessoas simples de várias realidades e encarnadas no mundo e na história, que buscam com suas vidas responder a este apelo tao especial. Sao eles professores, operários, funcionários, políticos, economistas, motoristas, donas de casa etc., que, mesmo pertencendo a condições, religiões e pensamentos diferentes, todos conservam sua identidade, empenhando-se com um único intuito: salvaguardar os valores do homem, do bem comum.

Segundo o professor Adam Biela, existem quatro dimensões importantes contidas na EdC, mais propriamente nas bases do movimento dos Focolares. Sao elas: a dimensao social - feita pela adesao de pessoas fascinadas e entusiastas com o ideal que pouco a pouco contagiam o outro pela qualidade de valores profundos disseminados; a dimensao econômica, ajuda concreta através de atos solidários, a qual traz uma novidade na repartiçao tríplice dos lucros resultantes das atividades das empresas (investimento na própria empresa, ajuda aos necessitados e formaçao de pessoas novas para este novo estilo de vida); a dimensao moral consiste na busca de melhores soluções que visam à promoçao e realizaçao do homem desde seus gestos mais simples do cotidiano, como o respeito, o companheirismo, os gestos benévolos, os quais fazem bem às pessoas; a dimensao religiosa, pois seu ideal parte do ambiente cristao, seguindo o carisma da unidade entre os povos e, por conseqüência transpassa os parametros da Igreja Católica, atingindo diversas Igrejas e as outras Grandes Religiões do mundo, interiorizadas com um objetivo comum: o mundo unido.

De forma alguma a EdC se contrapõe à qualquer outra forma solidária de economia, ao contrário, quer evidenciar ainda mais o valor de cada iniciativa:


A proposta de Chiara Lubich com certeza nao é a primeira que procura dar à economia um outro objetivo além do desejo de lucro como funçao de motor por excelência da capacidade empreendedora e criativa. Desse ponto de vista, a proposta insere-se idealmente dentro de um filao muito amplo de projetos, tentativas e realizações, que têm em comum a insatisfaçao em relaçao a alguns resultados negativos do mecanismo econômico capitalista e a aspiraçao por práticas alternativas destinadas explicitamente a defender ou promover, em certo sentido, a dignidade do homem (COSTA, 1998, p. 101).


A liberdade é um fator sumamente importante, que constitui a face da EdC, pois nao será certamente fácil a adesao a um modelo econômico que visa à partilha em contraposiçao ao lucro. Para que realmente ocorra em sentido completo a missao da EdC, é necessária muita motivaçao para enfrentar as dificuldades e manter acesa a chama desta nova luz para o mercado. É necessário pensar o lucro de forma diferente, ele deve ser investido no homem para assim gerar mais lucro, formando um círculo virtuoso de solidariedade.


Com relaçao aos valores éticos existentes em todos os ambientes naturais do homem, a EdC procura integrá-los de forma que sejam indissociáveis. Isso deve acontecer no ambiente interno da empresa como também nas relações familiares e sociais em contraposiçao a um certo "narcisismo" produzido pelo chamado "capitalismo selvagem" que atinge o mundo do trabalho. A postura individual do trabalhador evolui a partir do momento em que ele passa a pensar coletivamente, desenvolvendo espírito de equipe.



Os primeiros cristaos agrupavam-se em comunidades fazendo a experiência do amor ágape, por meio do qual tudo era partilhado. Uma experiência coletiva dos ensinamentos de Jesus Cristo.

Chiara Lubich, em pleno Século XX, tentou resgatar a experiência de vida dos primeiros cristaos. Reuniu um grupo de amigas animadas pelo mesmo ideal. As dificuldades, em meio à Segunda Guerra Mundial, nao as fizeram esmorecer, mas serviram de incentivo para ir ao encontro das pessoas sofridas e carentes.

Princípios do cristianismo que o movimento se presta em concretizar através da conscientizaçao sobre o valor do amor e da unidade entre os povos.

As experiências de vida entre os membros do movimento dos focolares sao sempre divulgadas como meio de manter a unidade. Um dos veículos importantes é a circulaçao de um periódico denominado de Cidade Nova, que divulga as notícias ligadas ao mundo da política, arte, economia, cultura etc, evidenciando sempre o positivo que há.

Euclides Mance é filósofo pós-graduado em Antropologia Filosófica e Educaçao pela Universidade Federal do Paraná.

Amartya Sen é economista e filósofo indiano de renome internacional, ganhador do prêmio Nobel em Economia. Trabalha as questões da pobreza, sua origem e como supera-lá.


Tommaso Sorgi é sociólogo italiano, teórico da EdC.

Alberto Ferrucci é empresário italiano e um dos responsáveis mundiais da EdC.

Adam Biela é Decano de Ciências Sociais da Universidade de Lublin, Polônia. Ao traçar as quatro principais dimensões quer ressaltar a importancia do movimento dos Focolares, como um exemplo vivo, que colabora no desenvolvimento de um novo paradigma das ciências sociais. (COSTA, 1998, p. 25-29).

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